POEMA INTERROGAÇÃO
Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.
Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos cânticos.
Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno...
Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.
Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro a olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.
Eu não sei se é amor. Será talvez começo...
Eu não sei que mudança a minha alma pressente...
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
Camilo Pessanha
SONETO SAN GABRIEL I
Inútil! Calmaria. Já colheram
As velas. As bandeiras sossegaram,
Que tão altas nos topes tremularam,
- Gaivotas que a voar desfaleceram.
Pararam de remar! Emudeceram!
(Velhos ritmos que as ondas embalaram)
Que cilada que os ventos nos armaram!
A que foi que tão longe nos trouxeram?
San Gabriel, arcanjo tutelar,
Vem outra vez abençoar o mar,
Vem-nos guiar sobre a planície azul.
Vem-nos levar à conquista final
Da luz, do Bem, doce clarão irreal.
Olhai! Parece o Cruzeiro
do Sul!
Camilo Pessanha
SONETO SAN GABRIEL II
Vem conduzir as naus, as caravelas,
Outra vez, pela noite, na ardentia,
Avivada das quilhas. Dir-se-ia
Irmos arando em um montão de estrelas.
Outra vez vamos! Côncavas as velas,
Cuja brancura, rútila de dia,
O luar dulcifica. Feeria
Do luar não mais deixes de envolvê-las!
Vem guiar-nos, Arcanjo, à nebulosa
Que do além mar vapora, luminosa,
E à noite lactescendo, onde, quietas,
Fulgem as velhas almas namoradas...
- Almas tristes, severas, resignadas,
De guerreiros, de santos, de poetas.
Camilo Pessanha
Abaixo segue a foto do manuscrito do Soneto San Gabriel I e as informações sobre essa obra do autor:
Pessanha, Camilo, 1867-1926
San
Gabriel
1898; Macau; [2] p.; ms.
Nota(s): 1º vº
:«Inutil! Calmaria. Já colheram». Letra do punho de José Pessanha. Publicado em
«Jornal Único», Macau, 1898 e reunido em «Clépsidra». Lisboa : Ática, 1945, p.
45-48.
Referencias:
Até breve!!