sexta-feira, 30 de março de 2012




CAMINHO I

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente 
Sinto um vago receio prematuro. 
Vou a medo na aresta do futuro, 
Embebido em saudades do presente... 

Saudades desta dor que em vão procuro 
Do peito afugentar bem rudemente, 
Devendo, ao desmaiar sobre o poente, 
Cobrir-me o coração dum véu escuro!... 

Porque a dor, esta falta d'harmonia, 
Toda a luz desgrenhada que alumia 
As almas doidamente, o céu d'agora, 

Sem ela o coração é quase nada: 
Um sol onde expirasse a madrugada, 
Porque é só madrugada quando chora

CAMINHO II
Encontraste-me um dia no caminho 
Em procura de quê, nem eu o sei. 
- Bom dia, companheiro, te saudei, 
Que a jornada é maior indo sozinho 

É longe, é muito longe, há muito espinho! 
Paraste a repousar, eu descansei... 
Na venda em que poisaste, onde poisei, 
Bebemos cada um do mesmo vinho. 

É no monte escabroso, solitário. 
Corta os pés como a rocha dum calvário, 
E queima como a areia!... Foi no entanto 

Que choramos a dor de cada um... 
E o vinho em que choraste era comum: 
Tivemos que beber do mesmo pranto. 


CAMINHO III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora: 
Enrijou a coragem fatigada... 
Eis os nossos bordões da caminhada, 
Vai já rompendo o sol: vamos embora. 

Este vinho, mais virgem do que a aurora, 
Tão virgem não o temos na jornada... 
Enchamos as cabaças: pela estrada, 
Daqui inda este néctar avigora!... 

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho, 
Eu quero arrostar só todo o caminho, 
Eu posso resistir à grande calma!... 

Deixai-me chorar mais e beber mais, 
Perseguir doidamente os meus ideais, 
E ter fé e sonhar - encher a alma.


domingo, 25 de março de 2012

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/capas/obras-literarias/camilo-pessanha.php

A LITERATURA PORTUGESA ATRAVES DOS TEXTOS  - Massaud  Moisés. 30º Ed. São Paulo. Cultrix, 2006

http://josemariaalves.blogspot.com.br/2009/07/camilo-pessanha-o-meu-coracao-torna.html

http://www.citador.pt/poemas/vida-camilo-pessanha
SONETO E POEMAS -

Ó MEU CORAÇÃO, TORNA PARA TRÁS

Ó meu coração, torna para trás.
Onde vais a correr, desatinado?
Meus olhos incendiados que o pecado
Queimou – o sol! Volvei, noites de paz.

Vergam da neve os olmos dos caminhos.
A cinza arrefeceu sobre o brasido.
Noites da serra, o casebre transido...
Ó meus olhos, cismai como os velhinhos.

Extintas primaveras evocai-as:
- Já vai florir o pomar das macieiras.
Hemos de enfeitar os chapéus de maias. –

Sossegai, esfriai, olhos febris.
- E hemos de ir cantar nas derradeiras
Ladainhas... Doces vozes senis... –
VIDA

Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!

Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.
Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
_ E se arde tudo? _ Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'


 
Principal Obra de Camilo Pessanha:

Em Clepsidra, Camilo Pessanha distancia-se de uma situação concreta e pessoal, e sua poesia é pura abstração.
Clepsidra, título simbólico, que se refere a um instrumento de medição do tempo dado na Grécia aos oradores, instrumento do tipo da ampulheta, mas no qual corria água. Foneticamente o título lembra igualmente "hidra", o monstro devorador. O título aponta, assim, para a fragilidade da vida e da condição humana.
Intimamente relacionado com estes temas estão o da desistência e soçobramento, como sentimentos; o receio ou náusea pela consumação dos desejos; a apatia contemplativa e a abulia (incapacidade de querer); a realidade vista como ambígua; a importância da música. Por outro lado, trata-se de uma poesia intelectual que se debruça sobre a problemática do conhecimento - o homem só atinge os fenômenos, as aparências do real, e não a essência, o verdadeiro real; o homem só pode dispor de coisas mutáveis, indefinidas, inconsistentes, fugidias.
O livro foi publicado em 1920 sob os cuidados editoriais de Ana de Castro Osório, por quem o poeta se enamorou.



Biografia:
Camilo Pessanha nasceu em Coimbra, Portugal em 07 de Setembro de 1869.
Em 1887 ingressou na Universidade de Coimbra para cursar Direito e  concluiu o curso em 1891.
Em 1894 se mudou para Macau onde começou a lecionar Filosofia, sua saúde começou a ficar fragilizada, Pessanha retorna a Coimbra várias vezes para se tratar, alguns estudiosos argumentam que ele fora cometido de tuberculose e seu quadro agravou devido ao vicio.
Em 1922 veio  a público a sua obra Clepsidra considerada a obra de maior importancia do poeta.
Camilo Pessanha faleceu em 1926 aos 46 anos em Macau, nos deixando seus maravilhosos Sonetos e poemas.
Camilo Pessanha é considerado um dos poetas  expoentes do  Simbolismo.