sexta-feira, 30 de março de 2012




CAMINHO I

Tenho sonhos cruéis; n'alma doente 
Sinto um vago receio prematuro. 
Vou a medo na aresta do futuro, 
Embebido em saudades do presente... 

Saudades desta dor que em vão procuro 
Do peito afugentar bem rudemente, 
Devendo, ao desmaiar sobre o poente, 
Cobrir-me o coração dum véu escuro!... 

Porque a dor, esta falta d'harmonia, 
Toda a luz desgrenhada que alumia 
As almas doidamente, o céu d'agora, 

Sem ela o coração é quase nada: 
Um sol onde expirasse a madrugada, 
Porque é só madrugada quando chora

CAMINHO II
Encontraste-me um dia no caminho 
Em procura de quê, nem eu o sei. 
- Bom dia, companheiro, te saudei, 
Que a jornada é maior indo sozinho 

É longe, é muito longe, há muito espinho! 
Paraste a repousar, eu descansei... 
Na venda em que poisaste, onde poisei, 
Bebemos cada um do mesmo vinho. 

É no monte escabroso, solitário. 
Corta os pés como a rocha dum calvário, 
E queima como a areia!... Foi no entanto 

Que choramos a dor de cada um... 
E o vinho em que choraste era comum: 
Tivemos que beber do mesmo pranto. 


CAMINHO III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora: 
Enrijou a coragem fatigada... 
Eis os nossos bordões da caminhada, 
Vai já rompendo o sol: vamos embora. 

Este vinho, mais virgem do que a aurora, 
Tão virgem não o temos na jornada... 
Enchamos as cabaças: pela estrada, 
Daqui inda este néctar avigora!... 

Cada um por seu lado!... Eu vou sozinho, 
Eu quero arrostar só todo o caminho, 
Eu posso resistir à grande calma!... 

Deixai-me chorar mais e beber mais, 
Perseguir doidamente os meus ideais, 
E ter fé e sonhar - encher a alma.